Page 110 - Uberaba-200 anos no coracao do Brasil
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serem empregados nas fazendas e nas incipientes vilas. Quase totalmente dizimados, os que sobreviveram
deslocaram-se para o norte, no Alto Araguaia. A terra dos índios, finalmente, tinha sido conquistada e estava
à disposição dos novos donos.
A respeito do chamado “vazio populacional”, verifica-se que esta ideia se difunde desde os primeiros
contatos com os indígenas, associada à “terra inculta”, despovoada, onde estão ausentes as atividades eco-
nômicas, sem exploração do seu “potencial” mercantil. Eliminados ou “pacificados” os indígenas e os quilom-
bolas, o “vazio” foi ocupado de forma rendosa, com utilização de técnicas que são chamadas de “modernas”,
mas que são a forma e o conteúdo que assume a agricultura capitalista na região, com a posterior introdução
de insumos, adubos, corretivos, maquinário e agrotóxicos.
A tese do “vazio” espacial não se sustenta na história, mas oscila de acordo com os interesses dos
grupos hegemônicos na região. Durante o século XIX, o comércio de gêneros foi fundamental para o cresci-
mento de alguns centros urbanos, entre eles Uberaba e Uberlândia, no Triângulo, quando não se falava mais
no “vazio”. A cidade de Uberaba, por exemplo, estava integrada ao sudeste e ao centro-norte do país como
escala importante de tropas, de comerciantes e de soldados, como foi por ocasião da Guerra do Paraguai.
A historiadora Eliane Rezende (1991, p. 75) identifica bem algumas características do período compreendido
entre 1860 e 1910:
Uberaba, por seu amplo e diversificado comércio, se enquadrou como um
polo dependente e dinâmico do sistema econômico brasileiro. A modernização e a
urbanização que se processaram na cidade foram resultados desta diversificação
comercial.
O tipo de pecuária exercido na época, extensiva e criatória, normalmente não
provocava a criação de núcleos urbanos expressivos. Entretanto, como Uberaba,
paralelamente à atividade pastoril desenvolveu uma atividade urbana-comercial, logo a
cidade se projetou como polo-econômico da região e das províncias vizinhas.
No século XX, em razão da inserção do Brasil na nova ordem internacional após a II Guerra Mundial,
alterações na política econômica interna e mudanças no mercado internacional exigem o aumento da pro-
dução agrícola, com a interiorização no país e a expansão da fronteira agrícola. Mais uma vez é invocada a
questão do vazio demográfico. Neste processo, teve papel-chave a construção de Brasília. Um pouco antes,
na década de 1940, para dar suporte à nova capital que surgiria, a ocupação do território teve impulso com a
Fundação Brasil Central (FBC), durante o Governo Getúlio Vargas:
A Fundação Brasil Central (FBC), que teve origem na Expedição Roncador-Xingu,
inicialmente comandada por João Alberto Lins de Barros (ministro da Coordenação
de Mobilização Econômica e ex-tenente da Coluna Prestes), foi um órgão, criado em
1943, com o objetivo de “desbravar e colonizar as zonas compreendidas nos altos rios
Araguaia, Xingu e no Brasil Central e Ocidental”, região alvo da chamada “Marcha para
Oeste”, programa de colonização e ocupação de fronteiras impulsionado pelo então
presidente Getúlio Vargas nos primeiros anos do Estado Novo. (MAIA, 2011)
Algumas características foram identificadas quanto à atuação da FBC: novamente a ideia do “vazio” terri-
torial, a afirmação do “atraso” da região, num sentido geopolítico e colonial, o “neobandeirantismo”, o espaço
“incerto, instável, perigoso, desconhecido e inóspito” (MAIA, 2011). Este autor fala em “justificativa ideológica”
que serviu para consolidar a dominação do Brasil Central. Um dado relevante, em termos regionais, é o fato
de Uberlândia ter sido um ponto de apoio logístico importante para os voos das equipes que faziam a ligação
entre o Rio de Janeiro e a Serra do Roncador, com a cidade sendo considerada a “Boca do Sertão” pela FBC,
com incremento no movimento do aeroporto local.
Na década de 1940, a partir de pesquisas feitas com fontes de calcário, a utilização deste insumo, usado
como corretivo agronômico, deu um impulso técnico bastante relevante, em termos da produtividade, à pro-
dução agrícola nas terras “fracas e ácidas”. A mecanização, facilitada pelo relevo plano, e a boa disponibilidade
do calcário aceleraram a ocupação e transformação do Cerrado.
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