Page 114 - Uberaba-200 anos no coracao do Brasil
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Padre Leandro, entusiasmado com o que viu e, supostamente, num esforço de convencimento das
autoridades em busca de apoio à fundação da escola, o que foi feito, entusiasma-se na caracterização da
paisagem e provavelmente exagera quanto a aspectos da produção agrícola local, como foi o caso do pé de
algodão de quatorze palmos de altura (três metros) no qual ele mesmo afirmou ter subido.
Exagero ou não, seu testemunho ultrapassou as fronteiras da região, tendo contribuído até como peça
de propaganda para a atração de moradores. Algumas de suas afirmações são significativas: “Vi talvez o mais
fértil terreno da América”; “Todo esse sertão é campo raso; tem mato e muita caça”; “A região se caracteriza
pelos singulares capins sempre verdes e pelos bebedouros salitrosos”; “Há muito peixe e abundância de todas
as frutas”; “As madeiras são as melhores: a aroeira, o bálsamo, a peroba etc. são ali muito frequentes” (SAM-
PAIO, 1971, p. 125-126).
A presença de matas, com árvores de grande porte, chama a atenção na caracterização da paisagem.
A aroeira é espécie comum na região e bastante citada em diversos textos. Ainda é encontrada, porém não
mais com a abundância do passado, sendo hoje árvore protegida por lei. O bálsamo e a peroba são espécies
mais raras, sendo difícil localizá-las mesmo nas áreas de reserva. Toras, vigotas, esteios etc. e outros cortes
dessas espécies são encontrados em construções rurais, como currais e casas centenárias, e em antigas re-
sidências urbanas.
Algumas espécies que também foram utilizadas na construção civil e na indústria de móveis são: o
ipê, utilizado como tábua de curral; o angico, transformado nos dormentes das estradas de ferro; a garapa,
ou amarelinho, usada tanto para madeiramento externo como em acabamento interno e em móveis; e o
jequitibá, uma das maiores árvores brasileiras, podendo atingir mais de 50 metros de altura. Todas elas são
igualmente raras nas poucas matas nativas que restaram na região.
O que se nota nos dois textos é que ambos mostram a grande biodiversidade existente na região.
Nota-se, também, o início da substituição da flora e da fauna nativas por produtos comerciais: arroz, feijão,
gado bovino, e, de outro lado, a necessidade crescente de produtos importados que dariam suporte às novas
atividades.
O QUE ESPERAR DO FUTURO?
Nos últimos 200 anos, o que aconteceu no Cerrado afetou a vida dos moradores da região, mudou
radicalmente a paisagem e teve influências decisivas na própria economia brasileira, principalmente no setor
agropecuário e na urbanização da região. Em função do uso intensivo do solo e dos recursos naturais, o
bioma, que ocupa em torno de 22% do território brasileiro, já perdeu mais de 40% de sua vegetação nativa,
segundo dados do Greenpeace (2018).
Estudos sobre o Cerrado são realizados desde o século XIX. Os naturalistas alemães Spix e Martius, que
percorreram o Brasil entre 1817 e 1820, são alguns dos pioneiros, e fizeram descrições primorosas da vegeta-
ção — por exemplo, do buriti (SPIX; MARTIUS, 1976). No caso específico de Uberaba e do Triângulo Mineiro,
Rezende (1999) destacou os relatos e as contribuições de Saint-Hilaire e de Luís D’Alincourt, do Barão de
Eschwege, de Alfredo D’Escragnolle Taunay, de Leite Moraes e de Oscar Leal.
Uma questão importante nos estudos ecológicos sobre o Cerrado foi explicar as características especí-
ficas da vegetação existente. Anteriormente, algumas respostas estavam relacionadas à estação seca pronun-
ciada e às queimadas frequentes. Mais tarde, os pesquisadores destacaram o fato de que a água não era um
elemento que impedia a vegetação de se desenvolver, pois estava presente. Depois ficou demonstrado que
a baixa fertilidade dos solos é que seria responsável pela presença dos arbustos, dos troncos espessos, das
árvores com galhos retorcidos e outras características da vegetação, que não sofre tanto com a deficiência
hídrica. O relevo tem também um papel fundamental, na medida em que as condições geológicas e geomor-
fológicas acarretam variações nos solos, com reflexos na cobertura florística.
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