Page 109 - Uberaba-200 anos no coracao do Brasil
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território cobiçado, sendo rapidamente apropriado pelo agronegócio. Embora seja episódio consumado lá
               no distante século XIX, a mercantilização da natureza caminhou a passos largos no final do século XX.
                     A produtividade deu saltos seguidos, conforme as regras estabelecidas pela agricultura capitalista, tra-
               zendo para alguns círculos uma euforia que acabou se revelando como modernização excludente. Este fato,
               tratado como auspicioso por uns e outros, manteve velhos contrastes, como os verificados nos diversos
               núcleos urbanos que centralizaram as decisões econômicas em nível regional. Deslumbrantes condomínios
               fechados, lojas finas em shopping centers, empresas que controlam atividades produtivas com o suporte da
               mais moderna tecnologia de informação, localizam-se lado a lado, de forma completa e tristemente inte-
               grada, com bairros pobres, renitentes no atraso e nas mazelas, onde às vezes ainda faltam água, escolas e
               hospitais. Um observador desatento talvez não perceba que são dois lados da mesma moeda.



               OCUPAÇÃO DO CERRADO

                     O Cerrado, nesses últimos quarenta anos, atraiu interesses nacionais e internacionais que passaram a
               influenciar o andar da carruagem. Mas as transformações nesse território não são novidade e não ocorreram
               de forma tão repentina quanto algumas visões apressadas parecem indicar. A região, considerada em termos
               macrorregionais, certamente conhece uma ocupação de, no mínimo, dez mil anos. Vários estudos apontam
               para a presença de humanos na região de Lagoa Santa desde 8.000 anos a.C. (MELATTI, 1980, p. 12). Walter
               Neves, que estudou o crânio de “Luzia” — tido como um dos crânios fósseis mais antigos das Américas —,
               concluiu que “o povo de Luzia” devia ter cerca de dez a onze mil anos (PIVETTA; ZORZETTO, 2012).

                     Muito tempo depois, na região do Cerrado, foi o grupo conhecido como povo Cayapó que dominou a
               vasta área que ia do norte do estado de São Paulo, passando pelo Triângulo Mineiro, até Goiás, Mato Grosso
               do Sul e Mato Grosso (GIRALDIN, 1997). Os primeiros contatos entre os colonizadores e este grupo indígena
               ocorreram na primeira metade do século XVIII:

                                                Os Cayapó foram atingidos por duas frentes de expansão desde o início do século
                                          XVIII. Primeiramente foram os mineradores que se instalaram em pontos específicos do
                                          seu território em busca de ouro e pedras preciosas, resultando daí um tipo de conflito
                                          marcado por enfrentamentos que tinham como objetivo, por parte do “branco”,
                                          afugentar e expulsar os indígenas, empurrando-os mais para o interior dos territórios
                                          não cobiçados pelos mineradores. Com o declínio da mineração, após o esgotamento
                                          das minas, tanto em Goiás quanto em Minas Gerais, cresceram as atividades ligadas
                                          ao campo, principalmente a agricultura e a pecuária. Adveio, então, um processo
                                          de ruralização das atividades econômicas, com os antigos mineradores passando a
                                          dedicar-se às atividades de agropecuária. Esta onda migratória no Triângulo Mineiro e o
                                          sudoeste de Goiás teve lugar principalmente a partir do século XVIII, crescendo muito
                                          em princípio do século XIX. (GIRALDIN, 1997, p. 56)

                     Os bandeirantes e outros aventureiros em busca de ouro e da mão de obra indígena não entraram em
               contato com esse povo de modo pacífico. Abriram picadas, estradas, criaram aldeamentos, expulsaram os ín-
               dios, combateram os quilombos e ocuparam a região. Os paulistas e, na sequência, os mineiros, requereram
               sesmarias, trouxeram suas famílias, estabeleceram pontos e rotas de comércio.
                     Para Giraldin (1997, p. 135): “As primeiras informações sobre os Cayapó, fornecidas por Antonio Pires de
               Campos (1862), mostram que eles eram hábeis agricultores, com plantações de batatas, inhames, entre ou-
               tros.” Segundo este mesmo autor, citando Saint-Hilaire, o amendoim (Arachis hypogaea L.) também possuía
               destaque na cultura Cayapó, estando seu cultivo associado ao próprio ciclo de vida da aldeia — tão importan-
               te que as sementes tinham lugar proeminente no centro da aldeia.
                     O que parecia aos bandeirantes um sertão inóspito, repleto de feras e de matas densas, era uma re-
               gião cultivada, conhecida e habitada por esse povo que, em pouco mais de cem anos, passou por um pro-
               cesso de guerras, aprisionamento, aldeamento e destruição cultural. Foram caracterizados como violentos,
               sanguinários e implacáveis, para, derrotados e, finalmente, cercados por criadores de gado e agricultores,



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