Page 107 - Uberaba-200 anos no coracao do Brasil
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O ANTIGO E O NOVO:


                        ASPECTOS DA REALIDADE SOCIOAMBIENTAL

                                                       DE UBERABA


                                                                                  Renato Muniz Barretto de Carvalho

               INTRODUÇÃO

                     Um observador que estivesse de passagem pela região do Cerrado na primeira década do século XXI
               talvez pudesse pensar que a região foi descoberta ou ocupada somente nos últimos quarenta anos. Com o
               olhar apressado, se o enfoque fosse o uso intensivo do solo, poderia imaginar que a região se encontrava
               num estado de adormecimento, foi “acordada de seu torpor” e conduzida à modernidade agrícola e urba-
               na. Se esse mesmo observador colhesse depoimentos dispersos, testemunhos obtidos ao acaso e ouvis-
               se pessoas comuns, vaqueiros, antigos moradores, pequenos agricultores, comerciantes locais e viajantes,
               descobriria causos a respeito de uma região de terras baratas, “vazias e incultas”, “fracas”, em termos da sua
               fertilidade, e que, de repente, a partir dos anos 1970, atraiu imigrantes de todo o país, em especial os gaúchos,
               e até estrangeiros.
                     Os “desbravadores”, num sentido amplo, vieram, de fato, de várias partes do Brasil: do Sul, de São Paulo,
               de outras regiões de Minas Gerais, do Nordeste e do mundo todo: do Japão, dos Estados Unidos, da Alema-
               nha, dentre outros países. Vieram muitas empresas nacionais, multinacionais, bancos, empresas prestadoras
               de serviços, faculdades etc., e, para fazer funcionar tudo isso, vieram agricultores, pesquisadores, vendedores,
               missionários, trabalhadores de vários setores, professores, estudantes e famílias que ocuparam a enorme
               região central do Brasil e contribuíram para transformá-la, talvez de modo irreversível, num “imenso celeiro
               agrícola”.
                     Associados às iniciativas locais e aos antigos moradores, cuja origem remonta ao século XIX, os que
               chegaram ajudaram a transformar o lugar numa das principais regiões de expansão do agronegócio brasileiro.
               Transformado e (re)ocupado, o Cerrado passou a fazer parte de uma complexa rede, conectado ao resto do
               mundo por modernos meios de comunicação.

                     Para dar suporte às novas determinações do setor produtivo e à conquista do território, cidades antigas
               e novas cresceram de modo inesperado e célere, estradas cruzaram o planalto, estradinhas de terra foram
               asfaltadas, pistas de pouso foram construídas ou ampliadas, linhas de alta tensão costuraram o vasto céu
               azul, altas torres de aço serviram de sustentação às antenas de micro-ondas, de sinais de TV e de celular,
               compridas pontes de concreto ligaram as margens dos rios, atravessaram as serras e as veredas em todas as
               direções. No rastro das mudanças que alteraram a face da região, cresceram e se destacaram empresas com
               grande influência no mundo contemporâneo na forma de gigantescas corporações do setor agroexportador.
               Imensos silos metálicos, compridas carretas, treminhões, colheitadeiras modernas guiadas por GPS, tratores
               dotados da mais avançada tecnologia e implementos agrícolas específicos desenhados para as mais diversas
               finalidades deram o toque final nas modificações que marcaram a região.

                     E a paisagem do Cerrado alterou-se rapidamente. Algumas intervenções foram consideráveis, como
               as imponentes fileiras de eucaliptos e a vastidão monótona das lavouras e das pastagens sem fim que domi-
               naram o horizonte até onde a vista alcança. As plantações “a perder de vista” transformaram o Cerrado em
               um “tapete” de soja, de milho, de algodão e de cana-de-açúcar, configurando a face visível das alterações no
               espaço rural. Em poucas palavras: a monocultura impôs sua estética homogênea.





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