Page 108 - Uberaba-200 anos no coracao do Brasil
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O observador desavisado se impressiona com a vista ampla, com as incontáveis histórias de moderni-
dade e de arrojo, mas é preciso saber que nem tudo que reluz é ouro e nem tudo que se planta dá. O esforço
da modernização agrícola mudou paisagens, vidas e a própria história. Entretanto, deve-se reconhecer que a
tão propalada e aclamada modernização significou, também, perdas e danos, riquezas e desigualdade social,
impermeabilização do solo e concentração urbana, expulsões e degradação socioambiental.
Vez ou outra, ainda se pode ver uma fumacinha branca subindo aos céus no distante horizonte. De lon-
ge, com saudade e romantismo, pode-se pensar que alguém esquenta água para fazer o café da tarde num
velho fogão a lenha. De perto, há um forno de carvão queimando as últimas árvores que cederam seu lugar
para mais uma extensa lavoura. Pois é, o Cerrado é cheio de contradições e de surpresas!
ASPECTOS SOCIOAMBIENTAIS DO CERRADO NO TRIÂNGULO
MINEIRO
O Cerrado não é para amadores. Localizado no domínio do clima tropical, caracteriza-se por uma va-
riação anual entre uma estação chuvosa e outra seca. No Triângulo Mineiro, de modo geral, a estação das
chuvas vai de novembro até abril, e a estação das secas, marcada de tempos em tempos por grave deficiência
hídrica, vai de maio até outubro. A precipitação anual média verificada em Uberaba foi de 1.558,9 mm entre
1914 e 1996. As temperaturas oscilaram, principalmente as mínimas — podendo atingir valores abaixo de zero
no inverno —, mas se situaram, na média, em 22 °C, o que é característico do clima tropical semiúmido (OLI-
VEIRA, 2005). A média das temperaturas extremas entre 1980 e 2009, segundo Novais (2011), foi de 4,2 °C a
mínima, e de 36,7 °C a máxima.
O Cerrado, apesar de bem conhecido em termos do clima, com a presença de inúmeras estações
meteorológicas que ultrapassam cem anos, apresenta incontáveis ocorrências antrópicas, urbanas e rurais,
bem como certas práticas sociais e produtivas, incompatíveis com sua dinâmica climática. O ciclo irregular,
com meses secos e meses chuvosos, cobra um preço alto de quem não conhece o próprio território. A po-
pulação e os governos locais parecem desconsiderar o regime climático. É o que se verifica, por exemplo,
com as constantes queimadas que acontecem no período seco: além de contribuírem para piorar a saúde de
crianças e de idosos, causam doenças respiratórias. O despreparo também fica evidente diante das inquietan-
tes inundações que assolam o meio urbano e causam tanta destruição, como tem acontecido nas grandes
avenidas de Uberaba e de Uberlândia desde meados do século XX. E é difícil explicar a supressão constante e
o desprezo pela vegetação nativa, bem como a falta de cuidados com a fauna, o que tem levado à redução
drástica da população de inúmeras espécies, dentre elas tamanduás-bandeira, emas, lobos-guará etc.
Quanto ao relevo, a região do Triângulo Mineiro foi classificada, segundo Baccaro (1991), em unidades
geomorfológicas identificadas na grande unidade morfoescultural dos planaltos e chapadas da Bacia Sedi-
mentar do Paraná. Diferentemente do que ocorre em outras regiões de Minas Gerais, onde grande parte da
paisagem apresenta morros e montanhas, o relevo do Triângulo é, de modo geral, ondulado e plano, com
altitudes que variam de 300 a 800 metros, raramente ultrapassando os 1.200 metros, com destaque para as
chapadas. Na região, existem nascentes e rios que fazem parte de duas das principais bacias hidrográficas
brasileiras: a do Paraná e a do São Francisco, com grande potencial hidrelétrico. Os principais cursos d’água
foram interrompidos por barragens que provocaram grande impacto socioambiental na região, apesar da
importância que têm para a geração de eletricidade.
A vegetação nativa, com suas feições características, é constituída por espécies arbustivas e arbóreas
com troncos retorcidos e cascas grossas, por árvores, cipós, bromélias e outras espécies das matas ripárias
— ou ciliares —, por capões de mata, por extensos campos planos, por campos rupestres, além de gramíneas
que se espalham por todo o Cerrado. É um dos biomas mais ricos em espécies da flora e da fauna do Brasil.
Algumas pessoas dizem que foi em função da topografia plana dos seus vastos chapadões, mas o mais
provável é que tenha sido em função da internacionalização da economia brasileira que a região tornou-se
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