Page 113 - Uberaba-200 anos no coracao do Brasil
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zia” na sociedade das grandes lavouras. Muitas veredas agonizam por causa de alterações drásticas do regime
hídrico, por terem sido cortadas por estradas e por agora estarem em meio a cultivos onde se empregam
agrotóxicos.
Outra espécie mencionada por Saint-Hilaire é o pequi: “O piqui aparecera em quase todos os campos
que eu vinha percorrendo fazia algum tempo, mas em nenhum outro lugar encontrei-o em tão grande abun-
dância. Entre Farinha Podre e Guarda da Ponte ela se torna muito comum […].” (SAINT-HILAIRE, 1975, p. 152).
O pequi é uma árvore típica do Cerrado no Brasil Central, ocorrendo de São Paulo e Minas Gerais até
Goiás e Mato Grosso. Os frutos são comestíveis, têm um ou mais caroços com polpa amarela de sabor e
aroma perfumado único. É usado em misturas com arroz, na fabricação de licor e outras formas de preparo.
Os frutos fazem parte da dieta de várias espécies da fauna (LORENZI, 1998, p. 78). Também é chamado de
“ouro do Cerrado”. Nos últimos anos, as maiores ameaças foram a exploração da madeira para a produção
de carvão vegetal e o desmatamento para expansão das grandes lavouras.
Na última etapa de sua viagem, Saint-Hilaire passou por Uberaba, naquele momento conhecida como
Uberava Falsa ou Arraial da Farinha Podre. Ficou quatro dias no arraial. É interessante conhecer a descrição
que ele faz do lugar:
Farinha Podre foi fundada pelos mineiros por volta de 1812. Caminhando sempre
na direção do oeste, alguns caçadores de Minas Gerais chegaram a essa região, onde
encontraram pastagens excelentes, fontes de águas minerais que poderiam dispensar
os criadores de dar sal para os animais e finalmente extensos e numerosos capões que
indicavam terras muitos férteis. A fama do lugar em breve espalhou-se pelas comarcas
de São João Del Rei e Vila Rica, e homens que já não dispunham de terra suficiente
em sua região ou cujas terras se encontravam esgotadas pelo errôneo sistema de
agricultura geralmente adotado, trataram de obter sesmarias no novo lugar. Construiu-
se uma capela perto do riacho, e o arraial se formou. […].
As pastagens nas cercanias de Farinha Podre são tão boas que, apesar da
prolongada seca que ainda se fazia quando passei por lá, os campos queimados estavam
cobertos por um espesso tapete verde e viçoso. Os colonos da região souberam tirar
proveito dessa enorme vantagem. A criação de ovelhas, de porcos e principalmente de
bois constitui sua principal preocupação, sendo que vários deles já possuem de 500 a
1000 cabeças de gado (1819). Os negociantes de Formiga, que não é demasiadamente
distante do arraial, costumam vir até ali para comprar bois e em seguida enviá-los à
capital do Brasil. (SAINT-HILAIRE, 1975, p. 151)
A ênfase está nas “pastagens excelentes” e nos “extensos e numerosos capões que indicavam terras
muitos férteis.” A narrativa faz repetidas menções à cobertura vegetal, às árvores altas, ao “denso matagal” e
aos cenários “cobertos de matas”.
O outro texto emblemático, e que reforça o ponto de vista acima, é a carta do Padre Leandro Rabelo
Peixoto e Castro. Ao que tudo indica, a exaltação das características naturais e paisagísticas do Triângulo Mi-
neiro teria contribuindo para atrair a população de outras regiões e fortalecer o comércio de gêneros alimen-
tícios. Padre Leandro esteve na região em 1827. Veio com a finalidade de fundar um colégio, nos moldes do
que existia na Serra do Espinhaço, o Colégio do Caraça.
Encontra, em Campo Belo, no Triângulo, as terras que seriam doadas para a congregação que admi-
nistrava o Caraça e ali instala um novo colégio. Em 1842, em razão da transferência de alunos do Caraça —
fechado entre os anos de 1842 e 1856 — para o colégio do Triângulo, o lugar recebe enorme impulso e os
moradores se estabelecem ao redor da capela. Em 1923, Campo Belo passa a se chamar Campina Verde,
denominação atual do município.
A carta do Padre Leandro é bastante difundida e encontra-se citada em textos clássicos da história local,
como no livro de Antônio Borges Sampaio (1971) e no de Hildebrando Pontes (1970). Alguns textos acadêmi-
cos, artigos, dissertações e teses também mencionam a carta de Padre Leandro. Guido Bilharinho (2014), ao
traçar perfis de personalidades históricas de Uberaba, reproduz a carta, afirmando tratar-se de um dos primei-
ros documentos sobre o Triângulo Mineiro.
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