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não aceitava outra, deitava-me em sua         hoje”. A mãe do menino dizia que ele
                      cama e rezava comigo: “Com Deus me            falava com ela naquele assobio triste

                      deito, com Deus me levanto, com a             de casuarina.
                      graça de Deus e com o Divino Espírito
                      Santo”. Ela punha seus óculos, abria           Alfabetização

                      uma gavetinha do criado mudo, tirava
                      de lá um livrinho preto de dorso          Desde os cinco anos era apaixona-
                      vermelho e punha-se a rezar.           do por automóveis. Conhecia todas

                      Certa noite, um vento forte, soprando   as marcas que apareciam nas gravuras
                      lá fora, provocava um gemido estranho   do jornal que seu pai assinava, o La-

                      nas folhas das casuarinas.             voura e Comércio: Ford, Buick, Nash,
                      - Mãe, quando as casuarinas cantam, o   Chevrolet,  Studebaker, Oldsmobile  e
                      que querem dizer?                      mais alguns outros. Incentivado pela

                      - Estão dizendo, meu filho, que o Anjo   sua curiosidade, passou a ler os nomes
                      da Guarda está aqui com você. Dorme    das gravuras e até mesmo os que não

                      tranquilo. O Pai do Céu gosta de você.   estivessem acompanhados pelas gra-
                      É isto que estão dizendo.              vuras. Tinha muita curiosidade pelas
                      Eu tinha medo desse Pai  do Céu.       palavras. Orientado pelas irmãs mais

                      Pensava que fosse bravo e enérgico     velhas, foi alfabetizado e, aos poucos,
                      como meu pai aqui da terra. Muitas     aprendeu a distinguir letras, depois
                      vezes  ouvia  gente de casa e de       sílabas, em seguida as palavras. Tinha

                      fora repetirem sempre que “Deus        uma vontade imensa de ler. Resultado
                      castigava”. Pegava, assustado, na mão   disto foi que aos cinco anos aprendeu
                      de minha mãe, levantando a cabeça e    a ler e escrever.

                      olhava uma claraboia acima da janela,     Em certo dia, Alberto, seu pai, reu-
                      achando que Deus podia entrar por ali   niu todos os empregados na Fazenda

                      e me agarrar.                          Estiva para comunicá-los que havia
                      Ouvi, certa vez, sentado no banco      perdido os óculos e que daria um prê-
                      de madeira, ao lado de uma enorme      mio a quem o encontrasse. Depois de

                      mesa de jantar, meu pai contou uma     muito tempo, julgando tê-los perdido
                      estória estranha de um tio dele que    definitivamente, já fazia planos para ir

                      morrera menino, engasgado, e que       à cidade comprar outro.
                      fora enterrado na fazenda. No local       Enquanto isso, ao caminhar pela
                      nasceu uma casuarina que “está lá até   fazenda, olhando num tanque para ar-



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