Page 43 - Rev Memorias_Pe Prata_2
P. 43

no ano de 1935. Os critérios para es-                iodo. Sofri, mas ele me curou. Alguns
                   colha de padrinhos naquele tempo                     anos mais tarde, quando soube que
                   eram ignorados.                                      tinha sido assassinado, chorei de

                       Algumas  lembranças da  infância                 emoção. Lembro-me perfeitamente
                   ainda perduram na vida do Padre Pra-                 do Tio Euclides dando a notícia para

                   ta, mesmo tendo sido marcado por                     meu pai e dizendo: “é o absurdo dos
                   outras experiências mais recentes. Por               absurdos”.
                   isso, as mais significativas ele as descre-

                   ve abaixo:                                       Thomaz, aos quatro anos de idade,
                                                                 fazia uma estranha associação entre

                          De 1922 a 1935 morei na “nossa”        uma narrativa feita pelo seu pai sobre
                          fazenda, a Estiva. Guardo na memória   o sepultamento de um antepassado na
                          tudo o que aconteceu comigo nessa      Fazenda Estiva, sobre o vento e sobre

                          época. Aos quatro anos, peguei uma     Deus. Com isso, as suas orações, espe-
                          febre palustre, como diziam no         cialmente em noites de vento muito

                          tempo. Foi uma maleita. Lembro-me      forte, se transformavam em motivo de
                          de como tremia. Levaram-me para a      aproximação com a sua mãe. Apenas
                          cidade. Não sei onde fiquei nem o      isso o libertava de seus principais te-

                          médico que me tratou. Do remédio       mores, conforme ele mesmo observa
                          não me esqueci. Um líquido marrom,     no texto abaixo:
                          grosso, que eu era obrigado a beber.

                          Chamava-se  ruibarbo.  Outra  coisa           - Mãe, vai rezar, pega a lamparina.
                          que me fez sofrer foi uma infecção            Anda, mãe!
                          que tive no lábio superior. De novo           Eu devia ter uns três ou quatro anos.

                          levaram-me para a cidade. Lembro-             Quando começava a escurecer, na
                          me do médico, Doutor Azevedo.                 Fazenda da Estiva, onde morávamos,

                          Era um negro alto e forte. No                 eu procurava por minha mãe,
                          consultório, enrolaram um lençol ao           puxando-a pela saia, insistindo com ela
                          redor de meu corpo, imobilizando-             para que fôssemos rezar. Não que eu

                          me. Meu irmão Alberto me segurava.            gostasse de suas orações, nem sequer as
                          O médico, sem anestesia, lancetou a           entendia. Eu queria era a companhia

                          inflamação e, posteriormente, passava         dela, queria  dormir  na  segurança  de
                          de lado a lado do lábio uma agulha            sua presença. Vestia-me uma camisola
                          grossa com algodão embebido em                branca, com bolinhas vermelhas, eu



                                                                                                       41
   38   39   40   41   42   43   44   45   46   47   48