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OS INDÍGENAS DO SERTÃO DA
FARINHA PODRE
Robert Mori
Pensar em uma história que contemple os primeiros habitantes de Uberaba, os indígenas, não é uma
tarefa fácil. Primeiro, porque durante muitos anos, a história escrita pelos memorialistas foi conivente em uma
tentativa de apagá-los, tornando-os vítimas de um processo de contato com os não-indígenas, que os levaria
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fatalmente à extinção .Em segundo lugar, as fontes manuscritas (documentos) foram produzidas pelos agen-
tes da Coroa portuguesa ou do Império, e são marcadas por uma visão eurocêntrica e muitas vezes precon-
ceituosa. Em terceiro lugar, não podemos pensar em uma história indígena somente na cidade de Uberaba,
visto que ela se articula com a região, o antigo Sertão da Farinha Podre - atuais Triângulo Mineiro e parte do
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Alto Paranaíba -, com a história das capitanias de São Paulo e Goiás e mesmo com as decisões tomadas em
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Portugal durante o período Colonial, ou no Brasil, durante o Império.
Localizada entre dois rios extensos - o Paranaíba e o Grande -, a região do Triângulo Mineiro era uma
área de tradicional ocupação de um grupo indígena que passou a ser conhecido nas fontes documentais a
partir do século XVIII como Kayapó do sul, uma denominação genérica que englobava diversas “etnias”, que
possivelmente tinham como semelhança o fato de pertencerem à família Jê - Tronco Macro-Jê. Dentre os
grupos que ficaram conhecidos como Kayapó do sul estava o Panará descrito no pontal do Triângulo Mineiro,
no início do século XX, pelo agrimensor e intelectual uberabense Alexandre de Souza Barbosa (1918).
Durante o século XVII e até o primeiro quartel do XVIII, o atual Triângulo Mineiro era um ponto de pas-
sagem para as expedições que saíam de São Paulo objetivando a captura de indígenas para serem utilizados
como escravos em Goiás. A mais famosa expedição a percorrer o
território de Uberaba no primeiro quartel do século XVIII foi aquela
Arquivo Público de Uberaba capitaneada por Bartolomeu Bueno da Silva e João Leite da Silva
Ortiz, a bandeira do Anhanguera (filho), que cruzou o Triângulo
Mineiro no sentido sul – norte, até descobrir ouro às margens do
Rio Vermelho, delimitando uma picada que passou a ser conheci-
da como Caminho dos Goiases.
Com a descoberta das minas auríferas e diamantíferas, ocor-
reu um afluxo de não-indígenas em direção à futura capitania de
Goiás (PALACIN, 1972). Esses núcleos populacionais foram criados
em território de tradicional ocupação dos Kayapó do sul, e os con-
frontos logo se tornaram frequentes. Os ataques dos Kayapó do
sul ocorriam pelo fato de os não-indígenas estarem inseridos em
uma categoria considerada hostil, sendo motivados também pela
vingança, para a prática de cerimônias e para se conseguir os bens
materiais que os indígenas tanto desejavam (GIRALDIN, 1997). No
território da atual cidade de Uberaba, esses indígenas destruíram,
em 1744, o sítio do Lanhoso, edificado por um rico provedor da
Fazenda Real, chamado Antônio de Araújo Lanhoso, que obteve
Imagem 1. Índio Kayapó João Luís. sesmaria ao longo do Caminho dos Goiases (MORI, 2015).
1 Ver as obras de: Antônio Borges Sampaio (1971); José Mendonça (1974); Hildebrando Pontes (1978); Edelweiss Teixeira (2001).
2 O antigo Sertão da Farinha Podre foi uma região que esteve até 1748 sob jurisdição da capitania de São Paulo.
3 Entre 1748 e 1816, o Sertão da Farinha Podre esteve sob jurisdição goiana, quando, por pressão dos fazendeiros araxaenses e autorização
de Dom João VI, foi anexado a Minas Gerais.
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