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que farão isso para mim. Acontece que         história de amor: “Estou muito feliz.
                   minha liberdade de escolher é restrita.       Esta laranjeira aqui está toda florida.

                   Não posso votar em quem eu quero, mas         João Nunes legitima. Ninguém planta
                   só num daqueles que já escolheram para        isso mais. Não dá dinheiro. Mais alguns
                   mim. Todos nós conhecemos a estória do        meses e vou convidá-lo novamente para

                   fazendeiro rico, Coronel Policarpo. Era       provar as laranjas daqui.” Enquanto
                   pai de cinco filhas. Um dia apareceu          falava, sorria. Um sorriso largo, olhos
                   em sua casa um jovem e pediu-lhe uma          brilhando, tocando naquelas flores quase

                   filha em casamento. O coronel foi curto       em botão, acariciando-as. Aquelas flores
                   e grosso: “Olhe, meu amigo, você é livre      enfeitavam o coração do velho, enchendo

                   para escolher quem você quiser, contanto      sua vida de estrelas.
                   que seja a Ritinha.” Assim é na política.        Lá mesmo, naquele pomarzinho,
                   São três os candidatos à Presidência. Sou     comecei a perceber que a felicidade não

                   livre para votar, contando que seja num       vem de fora.  Vem de dentro. Não são
                   desses três. Lindo! Você não acha? Isso é o   as coisas que eu tenho que me fazem

                   que chamam de liberdade democrática.          felizes, mas “o modo” pelo qual olho as
                      Para terminar, só uma perguntinha:         pequenas e poucas coisas que eu tenho.
                   Por que os nossos representantes têm o        Posso ser dono de imensos laranjais. Posso

                   privilégio do voto secreto? Pense e tire      colheres toneladas de caixas de laranjas e
                   suas conclusões.                              passar o dia infeliz, preocupado com as
                                                                 geadas da Califórnia, rezando para que
                   O velho e o pomar                             o mau tempo provoque baixa produção


                                                                 pelos lados de lá. Enquanto isso, do
                      Ele deve ter por volta de setenta anos.    lado de cá, um velhinho sorri feliz com

                   Soube que eu gostava de plantas e, por isso,   as primeiras  flores de um  único  pé de
                   embora não o conhecesse, veio o convite       laranja num pequeno quintal enfeitado

                   para ver o seu pomar. O que ele chamava,      de pedregulhos.
                   com muito orgulho, de “pomar”, era um            Não é fácil entender o “mistério” da
                   terreno  de  duzentos  metros  quadrados,     felicidade. Alguém já disse que não existe

                   em declive e cascalhoso. Ali, plantadas,      felicidade, existem momentos felizes.
                   umas cinco ou seis árvores. Foi mostrando     Esses momentos são aqueles que fluem do

                   aquelas plantas e contando suas histórias.    “hortus conclusus” que floresce dentro de
                   O velhinho flutuava num mar de                nosso interior, como dizia Cícero, o velho
                   afetividade.  Cada  plantinha era  uma        romano. Hortus conclusus, isto é, “jardim



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