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pavor de minha mãe mandando buscar            pagar tuas túnicas em lojas especializadas.
                   uma benzedeira, Sinhá Rita, para curar        Fazias tuas roupas. Usava sandálias de

                   um mal desconhecido que atormentava           couro de cabra. Eras pobre. Muito pobre.
                   meu irmão, o Hugo, então com um ou            Eras vítima das maiores discriminações
                   dois anos. Sinhá Rita veio, pegou meu         numa cultura machista, massacrante.

                   irmãozinho pelos pés, virou-o de cabeça       Não podias frequentar escolas porque
                   para baixo e o sacudiu por várias vezes.      eras mulher. Eras analfabeta. O que era
                   “É  vento  virado,  Dona  Quita,  já  está    pior, não podias nem sequer frequentar

                   curado”. Não me lembro se curou…              as Casas de Oração. Ficavas em casa.
                       Ninguém mais fala nessas doenças.         Teu marido comunicava a ti o que ouvia

                   Nossos medos, hoje, são outros: o             nas Sinagogas. Não eras uma esposa.
                   Alzheimer, o H.Pilori,  o Aedes, o            Eras uma escrava. Não havia água em
                   Parkinson, o Ebola, o câncer, a Aids e        teu casebre.  Todos os dias ias ao poço

                   outras mais e agora o Chikungunya. Além       comunitário, com teu cântaro de barro,
                   das doenças, temos medo do alimento que       buscar água para as necessidades de teu

                   nos vem dos supermercados. Entupimos          lar, para os afazeres do dia.
                   nosso organismo de substâncias químicas,         Mas, foste tu, menina pobre, a
                   flavorizantes, conservantes, antibióticos,    escolhida pelo Pai para ser a mãe de

                   gosto artificial de morango, de pêssego,      Jesus, o enviado  dele para comunicar
                   de banana, de baunilha, de limão. E           a todos nós um Projeto de  Vida, o
                   vamos engolindo tudo isto acompanhado         Caminho. Apesar  de ter uns  quinze

                   de refrigerantes artificiais, batatas fritas   anos, disseste “sim” ao chamado do Pai.
                   e sucos de vários sabores. Mais: muito sal    Tua gravidez foi cheia de complicações.
                   e muito açúcar.  E ainda queremos gozar       Teu parto foi uma tragédia. Deste à

                   de boa saúde…                                 luz a teu filho numa estrebaria. Tu o
                      Para finalizar: eu também não sei o        colocaste num cocho onde havia restos

                   que é o Chikungunya.                          de alimentos e excrementos imundos ao
                                                                 redor. Eras apenas uma menina pobre.
                 Teu nome era Maria                              Eu te admiro, teu amor, tua fé.


                                                                    Criaste  teu  filho  com  carinho,
                      Eras uma camponesa. Não eras uma           ensinando a Ele como viver em paz

                   rainha. Não eras uma princesa nem             segundo os mandamentos do Pai. Como
                   sequer uma colunável. Era a esposa de um      sofreste, minha mãe querida, quando
                   marceneiro pobretão. Não tinhas como          vias teu filho perseguido, caluniado,



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