Page 182 - Uberaba-200 anos no coracao do Brasil
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um riachinho. O arraial é composto de umas trinta cassas espalhadas nas duas margens
do riacho e todas, sem exceção haviam sido reconstruídas (1819), sendo que algumas
ainda estavam inacabadas quando por ali passei. Muitas delas eram espaçosas, pelos
padrões da região e feitas com esmero.
A capela da Farinha Podre é muito pequena, baixa e destituída de ornamentos,
como devem ter sido os primeiros oratórios dos portugueses que descobriram o Brasil.
À época de minha viagem havia apenas um capelão ali, subordinado à paróquia de
Desemboque, distante dali 30 léguas. Todavia, os habitantes do lugar estavam tentando
conseguir que o governo central elevasse o arraial a sede de paróquia.
Farinha Podre foi fundada pelos mineiros por volta de 1812. Caminhando sempre
na direção do oeste, alguns caçadores de Minas Gerais chegaram a essa região onde
encontraram pastagens excelentes, fontes de águas minerais que poderiam dispensar
os criadores de dar sal para os animais e finalmente extensos e numerosos capões que
indicavam terras muito férteis.
A fama do lugar em breve espalhou-se pelas comarcas de São João del Rey e
Vila Rica, e homens que já não dispunham de terra suficiente em sua região ou cujas
terras se achavam esgotadas pelo errôneo sistema de agricultura geralmente adotado,
tratavam de obter sesmarias no novo lugar. Construiu-se uma capela perto do riacho,
e o arraial se formou.
Farinha Podre fica situada, segundo dizem seus habitantes, a mais de meia
légua da verdadeira estrada de Goiás a São Paulo e, consequentemente, fora dos limites
do territórios dos índios. Mas desde a sua fundação, a antiga estrada foi inteiramente
abandonada pelas tropas de burros, que atualmente passam pelo próprio arraial, onde
os tropeiros encontram mais facilidade para a compra de provisões.
As pastagens nas cercanias de Farinha Podre são tão boas que, apesar da
prolongada seca que ainda se fazia sentir quando passei por lá, os campos queimados
estavam cobertos por um espesso tapete verde e viçoso. Os colonos da região souberam
tirar proveito dessa enorme vantagem. A criação de ovelhas, de porcos e principalmente
de bois constitui sua principal ocupação, sendo que vários deles já possuem de 500 a
1 mil cabeças de gado (1819). Os negociantes de Formiga, que não é demasiadamente
distante do arraial, costumam vir até ali para comprar bois e, em seguida enviá-los à
capital do Brasil. As terras de Farinha Podre são igualmente favoráveis à cultura do milho,
da cana-de-açúcar, do feijão e do algodão, mas unicamente este último é exportado,
devido à grande distância que separa o arraial das grandes cidades e do mar. Quando
a região for menos despovoada, os moradores de outros lugares virão comprar ali os
produtos que hoje encontram pouca saída e tudo leva a crer que a fertilidade das terras
da Farinha Podre lhe assegure no futuro uma grande prosperidade”.
Quando cheguei ao arraial apresentei meus documentos a um capitão de milícia
que substituía o comandante, o qual me instalou numa casa inacabada. Era aberta de
todos os lados e quase tão desconfortável quanto um rancho, mas tinham pelo menos
a vantagem de não estar infestada de bichos-de-pé.
Mal tínhamos chegado a Farinha Poder, José Mariano começou a se queixar
de uma violenta dor de cabeça. Sua língua estava pastosa, surgiu a febre e ele começou
a delirar. Eu não tinha nenhum conhecimento de clínica médica, mas desde o início
de minhas viagens havia observado que, em casos análogos, um vomito produzia
bons resultados. Ministrei um ao doente e ele se sentiu aliviado. Cuidei desse homem
como bem poucos criados são tratados pelos patrões, e no entanto só recebi dele
demonstrações de mau humor.
O calor excessivo me fazia passar mal, e eu ficava a calcular com horror a
distância que ainda tinha que percorrer para chegar a São Paulo.
Passei um domingo no arraial. O comandante veio para a missa, e sua casa
encheu-se de abastados fazendeiros das redondezas. Achei suas maneiras mais rudes
que as dos fazendeiros das vizinhanças de Vila Rica, fazendo lembrar as de nossos
burgueses rurais da mesma época, ou então as dos agricultores de Araxá, Formiga e
Oliveira. De resto, essa semelhança nada tinha de extraordinário, pois era principalmente
desses lugares que tinham vindo os colonos da Farinha Podre.
Marcelino abandonou o nosso grupo quando chegamos ao arraial, alegando
simplesmente que não desejava ir mais longe. Já fazia quatro dias que me achava em
Farinha Podre quando José Mariano, que se aborrecia ali tanto quanto eu, insistiu em
partir, embora ainda não estivesse inteiramente restabelecido.
Num trecho de 4 léguas onde parei, entre Farinha Podre e Guarda da Posse, não
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