Page 20 - Rev Memorias_Pe Prata_2
P. 20
nos tempos antigos, ninguém nem diário. Contava a história de seus
sequer tocava nela. Com a morte antepassados. Não era uma narração
de mamãe, eu a abri. Está cheia de linear, mas fragmentada. Trazia datas
cartas, de papel velho, de coisas sem fora de lugar, datas de casamento, de
valor. Como você gosta de colecionar nascimento, de morte. Contava um
selos, quem sabe encontrará algum aí pouco da vida deles. O que faziam.
no meio dessa papelada? Pode olhar à O que comiam. Como viviam.
vontade. Como se enriqueceram. Tudo escrito
Comecei a olhar com uma certa numa letra miudinha, difícil de ler.
má vontade. Jamais suspeitaria de Algumas folhas eram irrecuperáveis,
encontrar ali um tesouro. Eram coisas outras esfarelavam ao menor toque.
sepultadas ali há anos. Quarenta? Às vezes, algumas datas não batiam.
Cinquenta? O mofo e o bafio me Havia algumas contradições,
fizeram espirrar. Durante uma tarde principalmente no nome dos
inteira, fiquei examinando aquela escravos e dos capangas. Havia frases
mixórdia. As cartas eram poucas, interrompidas, outras sem sentido.
de nenhum valor histórico, apenas Veio-me, então, a ideia de pôr tudo
valor afetivo. Havia muitos recibos, aquilo em ordem. Iria recompor, em
programas de festas, convites. As parte, a história de minha família, da
traças já tinham feito uma festa Família Prata. Custou-me tempo e
naquela papelada. Páginas inteiras trabalho. Datilografei todas aquelas
soltas, muitas outras desbotadas anotações. Tentei pôr aquilo em
pelo tempo, outras apodrecidas pelo ordem.
bolor. Foi-me difícil separar tudo Com o tempo, meu arquivo crescia.
aquilo. Quase ao fim, uma surpresa. Um irmão de meu avô materno,
Eram vários cadernos amarrados Joaquim de Oliveira Prata (Tio
com uma tira de couro cru. As folhas Quinzinho), nascido em 1885, foi
já estavam soltas, com manchas para mim uma fonte inesgotável de
escuras, algumas ilegíveis, outras informações, eu costumava passar
em relativo estado de conservação. férias em sua fazenda, ao lado do
Eram anotações de meu avô paterno, ribeirão do Buriti. À noite, sentávamos
Manoel Prata Júnior, o Vovô Neca. no alpendre, onde conversávamos até
Havia anotações preciosíssimas, às altas horas. Ele sabia tudo sobre os
vezes minuciosas. Era quase um antigos, sobre seus pais e seus avós.
18