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nos tempos antigos, ninguém nem               diário. Contava a história de seus
                      sequer  tocava  nela.  Com  a  morte          antepassados. Não era uma narração

                      de mamãe, eu a abri. Está cheia de            linear, mas fragmentada. Trazia datas
                      cartas, de papel velho, de coisas sem         fora de lugar, datas de casamento, de
                      valor. Como você gosta de colecionar          nascimento, de morte. Contava um

                      selos, quem sabe encontrará algum aí          pouco da vida deles. O que faziam.
                      no meio dessa papelada? Pode olhar à          O que comiam. Como viviam.
                      vontade.                                      Como se enriqueceram. Tudo escrito

                      Comecei  a  olhar  com  uma  certa            numa letra miudinha, difícil de ler.
                      má vontade. Jamais suspeitaria de             Algumas  folhas eram  irrecuperáveis,

                      encontrar ali um tesouro. Eram coisas         outras esfarelavam ao menor toque.
                      sepultadas ali há anos. Quarenta?             Às vezes, algumas datas não batiam.
                      Cinquenta? O mofo e o bafio me                Havia     algumas     contradições,

                      fizeram espirrar. Durante uma tarde           principalmente   no   nome     dos
                      inteira,  fiquei  examinando  aquela          escravos e dos capangas. Havia frases

                      mixórdia. As cartas eram poucas,              interrompidas, outras sem sentido.
                      de nenhum valor histórico, apenas             Veio-me, então, a ideia de pôr tudo
                      valor afetivo. Havia muitos recibos,          aquilo em ordem. Iria recompor, em

                      programas de festas, convites. As             parte, a história de minha família, da
                      traças já tinham feito uma festa              Família Prata. Custou-me tempo e
                      naquela  papelada.  Páginas  inteiras         trabalho.  Datilografei  todas  aquelas

                      soltas,  muitas  outras  desbotadas           anotações.  Tentei pôr aquilo em
                      pelo tempo, outras apodrecidas pelo           ordem.
                      bolor. Foi-me difícil separar tudo            Com o tempo, meu arquivo crescia.

                      aquilo. Quase ao fim, uma surpresa.           Um irmão de meu avô materno,
                      Eram vários cadernos amarrados                Joaquim de Oliveira Prata (Tio

                      com uma tira de couro cru. As folhas          Quinzinho), nascido em 1885, foi
                      já estavam soltas, com manchas                para mim uma fonte inesgotável de
                      escuras, algumas ilegíveis, outras            informações,  eu  costumava  passar

                      em relativo estado de conservação.            férias em sua fazenda, ao lado do
                      Eram anotações de meu avô paterno,            ribeirão do Buriti. À noite, sentávamos

                      Manoel Prata Júnior, o  Vovô Neca.            no alpendre, onde conversávamos até
                      Havia anotações preciosíssimas, às            altas horas. Ele sabia tudo sobre os
                      vezes minuciosas. Era quase um                antigos, sobre seus pais e seus avós.



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